13.4.09

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Era alto, magro e chamativo. Não desses que a gente espera ser rodeado de garotas, o mais estiloso na dança e a pessoa que mais faz amizades em lugares pouco prováveis para o contato de desconhecidos - não, não; passava longe disso.

Eu nem sei o que acontece. Ele ali, enconstado no balcão; copo sobe, copo desce, em movimento único, mão única, sentido único - era mestre nessa arte. O cheiro forte do aguardente que preenchia o copo convidava quem estivesse ali, próximo à cena. Esta que se repetia religiosamente - mesmo local, mesmo horário, fins de semana ímpares ou pares, ou, ainda, ímpares e pares - afinal, quem é que gosta de ser previsível, não é mesmo?

O fato é que ele era mesmo o que a gente podia tachar de, de quê mesmo? Chamativo? Atrativo? Convidativo? Enfim, ninguém quer se perder em meio a sinônimos. Chamativo; é isso mesmo: chamativo. Cabelos cacheados, loiros e um tanto bonitamente esquisitos; é que eles eram de um amarelo tão ofuscante que era impossível não se notar. Uma barba ora ruiva, ora castanha. E pode, pode? Sei se pode não, só sei que era: assim mesmo. A gente ficava na dúvida, achando que ele fazia de propósito. Mas não, não: ele não cultivava o hábito de se pintar não - pintar cabelos, clarear a barba, sei lá mais o quê, né? É que quem acompanhava o vai-e-vem do copo de aguardente entre o balcão e a sua boca percebia as unhas bem cuidadas, as mãos bonitas e aparentemente macias, que combinavam perfeitamente com o seu tom "roseado" - é melhor utilizar aqui perfeccionista ou cuidadoso? Sei não, vai ver é os dois, ou falta muita coisa de cada um ou sei lá o que; não sou perfeccionista nem cuidadosa a ponto de ler entrelinhas...

Tinha o hábito de se encostar no meio do balcão, pegar o copo com quatro dos seus dedos e se envergar sobre ele depois de um gole, parecendo decidir ali, naquele momento, para qual dos lados iria olhar primeiro: esquerda ou direita? Eram tantas decisões a serem tomadas - definitivamente ele não era uma pessoa decidida : quem é que fica em dúvida entre olhar primeiro para um lado e depois para o outro? Ele, só ele mesmo.

Independente do movimento primeiro, sempre voltava o olhar para o copo de aguardente: esse merecia a sua total atenção. Engraçado, né? Parecia mais uma relação fundamentada na atenção recíproca que um devotava ao outro: o copo de cachaça ali, sempre o aguardando-o; ele ali, sempre o procurando. Já parou pra perceber que o sempre é palavra chave nisso tudo? Pois é, perceba, meu filho. Porque logo ali, quando eu completar o meu relato, você vai entender a importância do sempre. Vá por mim, vá...

Voltando à questão: a gente nunca sabia o que mais chamava nele: se era aquele jeitinho envergado, envergonhado, com os ombros retraídos, de quem pega o copo certo do que vai fazer, refutando, assim, o sempre do indeciso destinado à ele anteriormente; ou se era quando aquele seu tom "roseado" se saturava justamente quando a gente ousava ir de encontro àqueles seus olhinhos miudinhos, que pareciam te convidar a uma possível aproximação - o que, "sinonicamente", seria perfeito para o fato dele ser convidativo, ou, melhor, chamativo.

Sei lá, desisti de entender a razão, circunstância ou o porquê de eu ter parado justamente naqueles olhinhos esverdeados e ter aceito o convite de visitação e quiçá, permanência. É que quando ele resolveu pedir um trago do meu cigarro, naquele mesmo balcão de sempre, com o mesmo copo de aguardente que estava sempre na sua frente, enquanto eu me preocupava em desenhá-lo mentalmente, a gente percebe que o sempre só existe nele na forma de elemento inovador. Elemento inovador? Pois é. Prestou atenção no sempre? Pois bem: seja uma cachaça nova, um dedo a mais no copo, a barba mais rala, há sempre o tal do elemento inovador.

Mas ei, peraí...quem é o elemento inovador nessa história toda? Será o cigarro? Será eu? Cigarro? Eu? Cigarro, eu, cigarro,eu, eu, cigarro, cigar...

Ok, isso não importa. Ele conseguiu chamar a minha atenção. E a sua também. Peraí que tá na hora de ir conferir a inovação da noite: minha carona pro bar chegou..adivinha quem é?

10 comentários:

Adriana Godoy disse...

Adoro essas histórias de bar. O texto é uma delícia de ler, a gente se envolve, isso é muito bom. Sua carona, bem...deixa eu advinhar....ih...sei não.rs. Beijo

Clareana Arôxa disse...

ahh, o amoor..

leila saads disse...

Achei interessante a forma como você colocou o amor platônico! O jeito da gente conhecer tão bem uma pessoa com a qual a gente nunca conversou. O conhecer através do sonho, das expectativas, do olhar atento... Ficou bem nítido isso, principalmente no parágrafo em que você escreve assim: "quem é que fica em dúvida entre olhar primeiro para um lado e depois para o outro? Ele, só ele mesmo.", sabe, essa familiaridade que a admiração trás...

Que bomq ue no final o interesse saiu do plano das idéias=]

=*

R. disse...

Gostei. Gosto de bares, aliás. Gostei do jeito que você escreve também, me faz sentir íntimo. Gostei de tudo. Mas antes da última linha eu tava jurando que o fulano era gay, haha!

Bjs!

Clara Mazini disse...

Bares sempre são ótimos palcos para novas histórias.

Inove, então. Continuarei lendo!

Sobre o "a gente", existe: João e Maria.

Maria Clara e João Víctor (o meu menino do bar hehehe)

Um beijo!

Bernardo Sampaio disse...

Adorei esse clima de bar do texto. E ele se desenvolve de uma maneira tão natural, um relato cotidiano conciso. Ficou bom mesmo. Até deu vontade, de mesmo repetindo dias, gestos... viver algum momento assim.

beijos.

Malu Ortolan disse...

heeey,adooorei o texto.
e ate dei risada no final
ate parece que a gente se imagina no seu lugar dopkasdapodkpos

adorei mesmo ;]
otimo blog =]

beijos;*

- disse...

adorei a do "elemento inovador", ahahaha.

Natália Nunes disse...

O meu é alto, azul e inconfundível.
:D

Beijo!

R. disse...

Thaís, eu li seu comentário lá no blog assim que você escreveu e já voltei aqui aqui 30 vezes depois -sempre esperando texto novo, mas te imagino ocupada, né?- e não respondi. Pra mim seria uma honra ser adicionado aqui, no seu blog. Eu mesmo preciso atualizar meus links (há tempos!), mas a preguiça tecnológica mata!

Bjs!