30.11.08

etnografia

Se você pegar o dicionário e procurar pelo significado da palavra mania, encontra a seguinte descrição:
  • ma.ni.a s.f 1 tipo de desequilíbrio mental 2 esquisitice 3 idéia fixa 4 mau hábito - maníaco adj. s.m.


Pois bem. O portador de manias é, adjetivamente, involuntariamente, assumidamente ou, simplesmente, um maníaco. Mas, como saber se você é um deles? E, pior, em qual nível de lucidez maníaca você está? Maníaco crônico, médio ou iniciante?


Esqueça esse senso comum de que apenas alguns carregam manias e que existem pessoas que não as desenvolvem. E quando falo em senso comum de manias, falo daquelas que, mascaradamente, aparecem com nomes como cismas, paranóias, neuroses, esquisitices ou excentricidades e que nos rendem títulos como os de loucos, insanos ou levemente perturbados. TODO MUNDO É PREMIADO COM UMA, essa é a verdade.


Alguns as desenvolvem logo no início da vida, outros vão as adquirindo com o passar dos anos, seja como reflexo de alguma situação vivida (a chamada seqüela), por vontade consciente de tal hábito, loucura crônica mascarada de excentricidade ou mesmo por motivos ainda desconhecidos mas que tem tudo para integrar o hall de mistérios da humanidade junto a casos como o do “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?”.


Nós, seres humanos de telencéfalo altamente desenvolvido aprendemos a conviver com fases ao longo da nossa existência: nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Nada muito complicado. Sendo assim, cada fase terá seu grau de importância devida para cada ser humano, e, por isso, podendo se considerar imprescindível no desenvolvimento de certas manias. Exemplo disso? A infância. É nela que os pequenos filhotes de seres humanos de telencéfalos altamente desenvolvidos se familiarizam com a vida moderníssima do pós-parto. Tudo é novo, tudo é lindo, tudo é apreendido. Entretanto, certos humanóides esquecem que há outras fases a serem seguidas e parecem estagnar por tempos a fio nessa, carregando certas manias com eles quando estão aptos para ingressarem nas próximas fases, como é o caso do xixi na cama, não dormir sozinho, chupar dedo, etc.


Mas não se preocupe, nem todo mundo é tão óbvio assim e, por isso, nem toda mania é conhecida, ou, pelo menos, tão conhecida para ser (re)conhecida como mania. É o caso dos nossos hábitos nem tão confiáveis do dia-a-dia. Todo mundo, se parar para pensar por cinco minutos a respeito do que julga imprescindível na sua rotina diária, vai ver que tem uma mania. Mania de limpeza, de organização. Minha mãe tem mania de escrever palavras com a ponta dos dedos enquanto conversa, meu irmão tem mania de só comer na primeira cadeira da mesa, meu cachorro tem mania de deitar em cima de qualquer pedaço de pano que ele encontrar pela frente.


Eu? Tenho mania de ler jornal de trás para frente, a folha de baixo para cima, mexer no cabelo, dormir do lado errado da cama, dormir coberta até o queixo, lavar o cabelo sempre que tomo banho, balançar a perna ou qualquer outra parte do corpo, ou, ainda, balançar o corpo todo, coçar o nariz quando estou com raiva, fazer gestos indicativos de muito ou pouco com as mãos, sempre prestar atenção em mil coisas ao mesmo tempo, mania de comer com garfo e faca nas duas mãos, mania de observar janelas, de ler vários livros ao mesmo tempo, andar descalça (...)


Não me pergunte o porquê delas, que, com certeza, não saberei te dar uma resposta. Todas as listadas e as que eu deixei de listar – por não ter as identificado ainda ou por falta de espaço mesmo – eu incluo no hall dos grandes mistérios da humanidade ou apenas excentricidades.


E, por falar em excentricidades, há, ainda, aquelas manias que são conhecidas mundialmente (que por força de quem as cultiva e pelo grau de neurose que elas trazem consigo) e viram marcas registradas. Afinal, quem nunca chamou o Michael Jackson de louco quando o assunto é a sua palidez funérea resultante da sua neurótica mania em ser branco? Em âmbito nacional, nada mais justo que exemplificar essas excentricidades com o nosso rei Roberto Carlos. Quem, em toda a sua vida, não já assistiu o especial de fim de ano da Rede Globo, onde o azul predomina em TODOS, eu disse TODOS os lugares do cenário?


Se você ainda não está conformado que sim, todos nós temos as nossas manias, sinto informar que é preciso que você reveja seus conceitos. Se, por outro lado, você se encontra em algum dos níveis maníacos já listados anteriormente, o que te resta é aceitar esse rótulo de louco, neurótico, esquisito, mentalmente debilitado, estranho e similares e levar a sua vida, afinal , meu amigo, já dizia o ditado: De médico e de doido, todo mundo tem um pouco.

29.11.08

boys don't cry

Foi só porque cada inspiração de ar ia se tornando
fatigante, que ele resolveu tentar acabar de vez com toda essa
expectativa.
Foi ao lugar marcado. Cambaleante, como quem anda
carregando um peso amarrado aos seus calcanhares. Cada passada era um esforço
tremendo para conseguir se manter em pé - manter a sua cabeça reta,
"altiva".
Quem observava a cena de longe, não entendia esse
caminhar de passos duros: não era nenhuma ladeira a rua, oras...
Finalmente, chegou ao seu destino. Não sabia se
ficava aliviado ou desesperado. Puro impulso esse de querer chegar lá nessa
rapidez. Nem deu tempo de se preparar, pensava ele.
Quer dizer, pensava em tanta coisa que os únicos
pensamentos inteligíveis que conseguiu captar antes que seu olhar cruzasse com o
dela foram estes mesmo. Só. Depois, tudo virou breu.
Fitou aquele olhar que parecia ter imposto um muro
de concreto entre duas realidades[agora]diferentes, mas que outrora, já
foram uma só.
O muro, na verdade, ele pôde enxergar visivelmente
após os 5 segundos que demorou perdido naqueles olhos: era o novo
rapaz.
O que fazer? O que dizer? O que
olhar?
Não sei dizer no que ele
pensou.
Apenas abaixou a cabeça, como quem sabe
que não podia mais tentar plantar a florzinha que carregava na mão em cima
do muro dela, em cima do muro deles. Ele tinha sido substituído.
Se misturou em meio as milhares de cabeças de
pessoas que passavam pela rua, e como em um filme, sumiu do local. Sem aquele
peso todo que carregava quando estava vindo.
Há quem diga que era a flor que pesava demais,
ela vinha carregada de coisas boas demais.
Há quem diga, também, que era o medo de ter
sido substituído que quase o fazia andar para trás.
E, há, também, os que dizem que não era nem
uma coisa, nem outra. Que ele tinha corrido o mais rápido que conseguia para não
chorar ali na frente. Porque, afinal, todo mundo sabe que
boys don't
cry
...



A flor ficou lá no meio do passapassa de gente, perdida naquela imensidão de pés.
Como eu não vi o restante da história, fica só em sonho/pensamento/vontade mesmo.

27.11.08

sebastian, you're in a mess...

Quando
percebeu, eratarde
demais: sebastiantinha puxado o livro da prateleira,
sem
muito,ou nenhum,
cuidado edesarrumado tudo!
Como num
efeitodominó, foi
tudo desabando:os
romances se misturaram com as
ficçõescientíficas, que, por
conseguinte,caíram em
cima e esconderam,
devez, as obras consideradas
utópicas.
O fato é que,
mesmodepois de
ter arrumado essa confusão
toda,
olivro puxado não
era,exatamente, o
que ele esperava ser:
continha, apenas,
aparte teórica do
quevem a
ser um simulacro.
Percebe o tamanho
daencrenca?
Poisbem, perceba.
Sebastian
nãopercebeu.
É que ele ignorou
oaviso bem grande
escritona parede
atrás da prateleira, e, que, na verdade,o
confundia
mais ainda: PUTTHE BOOK BACK
ON THE
SHELF.
Se o aviso servia
paratodos os tipos
delivros, então,
isso
significa que a escolha nunca ia
sersatisfatória?
Não soube
responder
apergunta
formuladamentalmente.
Folheou, folheou,folheou,
folheou.
Depois,arrumou a prateleira da forma
que mais o agradava.Antes
de
sair, reforçou
a cor do aviso. Saiu numa
passada
só.

23.11.08

como eu me apaixonei


Dias atrás, presenciei uma amiga agoniada entrar na sala, batendo porta, sentando, parecendo estar sufocada de coisas. Ela ia ficando cada vez mais vermelha, os olhos bem marejados, totalmente marinhos. Até que não se agüentou e começou a chorar e a contar o que tinha acontecido.
Assisti a cena admirada. Não pela agonia dela, e sim, pela capacidade de externar sentimentos.
É que, assim, eu nunca fui muito boa nisso não.

Mainha conta até hoje que, quando eu era pequena, aprontava as maiores coisas do mundo, e, na hora de apanhar - quando o caso era realmente sério, como foi quando colei chiclete na franja do meu irmão e cortei a metade dela - eu corria e escolhia uma sandália bem acolchoada, aquela que eu achasse que ia doer menos. Essa era a forma de eu tentar me safar 'inteligentemente' da situação sem deixar de receber a minha punição - é que minha mãe sempre fez questão que eu e meu irmão tivéssemos noção de
responsabilidade e consequências diante dos atos. Aí, claro, eu sempre pegava a mais 'molinha', sabe?
Nunca na minha vida pegaria uma sandália de couro. ATÉ PARECE.
E aí, apanhava sem derramar uma lágrima. Parecia coisa de criança ruim mesmo: trancava os dentes, prendia todo o sentimento do lado de dentro e ia ficando vermelha, como quem sabe que os sentimentos pareciam querer escapar por todos os buraquinhos, todos os poros. E aí, ficava concentrada nisso. Só nisso.
Apesar de eu acreditar, por muito tempo, que essa era uma das minhas qualidades - tinha aprendido a sofrer as consequências dos meus atos - sabia que, na verdade, isso era mais para mascarar um defeito que considero tremendo: meu orgulho. Sempre fui orgulhosa, sempre.E, por muito tempo, quis acabar com isso. Tinha vergonha as vezes, porque isso me atrapalhava demais quando eu queria externar certas coisas. Esse orgulho impedia.

De uns tempos pra cá comecei a perceber que venho mudando aos poucos, aos pingos. Tive um hiato imenso que me impossibilitou de escrever o que eu queria, quando eu queria, como eu queria. E eu fiquei agoniada, com tudo preso aqui dentro. Porque as palavras eram a única coisa que me faziam externar tudo. Sempre foi assim. Orgulho perto delas era apenas uma palavrinha a mais do dicionário, bem insignificante diante de todo o conjunto das outras.

Se a gente não consegue dizer o que tem para dizer ou o que gostaria de dizer, como tudo fica? já parou pra pensar nisso?
Por isso que, quando paro para pensar no quanto gosto de escrever, eu fico feliz só em pensar nessa minha história de como me apaixonei pela escrita.



P.S.

Perceba na foto acima a franja do meu irmão cortada. E perceba, também, o tamanho da criança que ainda aprontava - leia "eu" aqui. :)

21.11.08

rotina

E, foi só pela lei natural das coisas que ela se viu diante de um muro de ervas daninhas que cresciam quase que em dízima periódica. Lá estava ela: fora de tempo, sem pé, sem cabeça, sem lenço e sem documento, sem condições de nada...sem condições dela, sem condições de tudo, sem condições do mundo.
sucumbiu novamente ao colo mais próximo.
precisava descansar.

20.11.08

!





- Lua*, com qual dos beatles você quer casar? Paulo, George, João ou Ringo?

- Rindo??

- Rindo não, luana, RinGGGGo. Quer casar com ele, é? Porque?

- Que nome doido (!) hahaha ringo, ringo, hahaha

- ok, então você quer casar com ele!

- eu não! oxe! eca!

- e porque não, criatura?

- menino é chato, feio e solta pum!

- E tu?

- eu não, eu não.

- seeeeeeeei... hahaha

- pára thais, sua chata e feia!


aí ela saiu arretada comigo.



(só pra descontrair um pouco isso aqui! é que luana é uma criança de quase 5 anos meio diferente das outras. a prova disso? enquanto todas pensam que o papai noel mora na esquina da rua, ou no pólo norte, segundo lua, ele reside no Texas e vai trazer para ela dólares de presente de natal. Só não pode questioná-la sobre o que vem a ser o Texas e para que servem dólares, que ela fecha a cara, te chama de feia e chata e sai. é que ela se invoca rápido quando não tem uma resposta pronta. haha)




16.11.08

alguns tormentos

Não satisfeita em
ser totalmente riscada por dentro, ou, na melhor das hipóteses, quase uma zebra,
ainda assim, mantinha uma estranha mania de se pintar por fora.
Os arranhões que,
uma vez estando internamente, ficavam protegidos de agentes externos, que,
possivelmente iriam causar mais dor e agonia, agora apareciam a olho
nu.
Vez ou outra, ela
inventava de se arranhar. Ela mesma. Coisa simples: esperava suas unhas estarem
grandes o suficiente para causar o estrago previamente super calculado, e o
fazia. O fazia como quem sabe o que está fazendo, como quem se machuca sabendo
que o faz e, pior, porque o faz. Ela era auto-destrutiva. Era a única
resposta.
Primeiro um braço.
Depois o outro. O rosto. Não, não, o rosto não. Agora não. As lágrimas vão fazer
arder mais ainda. Preciso sofrer mais para poder aguentar essa ardência. Agora
tem que ser as pernas. Aí, sim, vou para o rosto. Porque aí, não vai restar mais
nada: tudo já vai estar riscado, sem chance de sobrar algum lugar limpo, sem
dor, sem marcas. E, só assim, eu vou saber que está tudo acabado. Porque, quando
já não se tem mais lugar para ir, o que se fazer, é chegado o fim. Não é assim
que te ensinam? Pelo menos foi assim que me ensinaram. E foi a única coisa que
aprendi.
Simples assim:
como dois mais dois são quatro.
Ela repetia
em tom ameaçador, enquanto fazia o que tinha que ser feito:
- Não se perca de si mesma.
E assim, ia
seguindo. Era só o tempo das feridas criarem casquinhas, aí ela vinha e fazia
tudo denovo. Ciclo vicioso. Passou muito tempo da vida fazendo e refazendo isso,
até que um dia, parou de se arranhar, mas continuava repetindo a mesma frase de
sempre: - Não se perca de si mesma.
Tinha se
perdido dela mesma; pelo menos por enquanto.



15.11.08

colhendo certezas

É que ele adorava quando ela o abraçava assim, meio sem jeito, mas, ao mesmo tempo, cheia desse seu jeitinho desajeitado. Esses abraços o faziam ter a certeza de que ele queria estar acordado por ela, estar por ela, ou, ainda, ser por ela.

Ela se virou ainda a tempo dele poder olhar para as suas costas e contar os sinais espalhados pelo seu corpo. Essas coisas dela. Só dela. Não resistiu. A abraçou novamente, como quem grita desesperadamente para que ela permaneça.

E não é um permanecer de ficar ali, até o dia amanhecer e a noite voltar, não. É aquele ficar de não ir embora. Não ir embora. Ficar com ele e ficar para ele.

O abraço retribuído era a resposta que ele precisava.
Estava tudo bem.









Estar acordado por ela, estar por ela. Ou, ser por ela.

14.11.08

Hoje o samba saiu, procurando você

Foi de repente que o cigarro queimou os dedos dele. Tinha esquecido que, de uns tempos para cá, mantinha um ritual sagrado todo dia, nessa mesma hora, nesta mesma janela.
De uma maneira nem um pouco desajeitada, com um cigarro na mão, se encostava meio de lado na janela que dava para a rua principal. Meio de lado é eufemismo, já que, na verdade verdadeira mesmo, ele se virava completamente para a direita, como quem quer evitar o lado esquerdo de qualquer maneira. Fumava seu cigarro calmamente, como se estivesse matando o tempo, como quem espera algo junto de alguém que só pode te oferecer o silêncio e, visto isso, uma falsa promessa de companhia. Era mais ou menos assim o seu ritual.
As vezes, até que se distraia com alguma coisa: o carrinho de cds piratas, a mulata que passava rebolando em cima do salto alto, o garoto que descia a ladeira de bicicleta, ou algum conhecidovizinho que, sabendo que iria encontrá-lo ali, passava acenando e querendo puxar conversa.
Mas, a máxima atenção que poderia dar a alguém, seria um olhar sem um desvio súbito.
Havia nos seus olhos uma espécie de coisaestranha; sua mudez era a prova de que, definitivamente, ele carregava todo o peso da alma não nos seus ombros, e sim nos seus olhos.
Nos três meses que se passaram desde a sua vinda para esse sobrado, tinha saído do seu refúgio uma meia dúzia de vezes: algumas para comprar mantimentos, outras para caminhar estranhamente até a esquina e, logo em seguida, voltar para casa. A sua sorte era um amigo - seu único, aliás - que vinha toda semana conversar, trazer coisas que precisava e fazer companhia. Só.
Aliás, só era como o chamavam.
Alguns até arriscavam que ele era mudo; que uma espécie de mudez o atormentava. Ou uma gagueira. Sim, sim. Uma vez, correu um boato que ele gaguejava tanto, que resolveu parar de falar de vez, e, para evitar isso, acabou se isolando. Tinha gente que contava até que ele tinha inventado uma mentira e que o gato tinha comido a língua dele - essa as crianças detestavam. Ou então, falavam só que ele devia ter feito algo de muito ruim a alguém e tinha rejeitado a vida de vez.
Nisso eles tinham razão: ele tinha rejeitado a vida de vez.
A posição na janela não era proposital não: ele evitava ver o sol se pondo. Odiava ainda não ser forte o suficiente para conseguir vencer essa sua vontade de ver vida, mesmo que seja a dos outros. Foi aí que estabeleceu esse hábito de fumar na janela: só assim, uma vez no dia, poderia contemplar a vida como ela é, por um certo espaço de tempo - no caso, o tempo que o cigarro durasse.
O que se sabe é que, até aquela tarde em que o susto da queimadura do cigarro o fez derramar o seu copo de bebida bem em cima do cigarro caído no chão, causando o incêndio do seu apartamento todo, ele sempre soube esconder o seu mistério. Morreu ali, esperando alguma coisa que não se sabe bem o que era, a que horas chegaria, data, dia da semana, ano e todo o resto da documentação.
O acontecido serviu de pano para a manga de muitos boatos em toda a vizinhança: desde surto psicótico, tentativa de roubo + assassinato, até suicídio. Pois é.
Ainda tinham uns metidos a poeta que, sentavam ali na frente, e nas rodas de conversa, tentavam conquistar as mulatas da vizinhança fazendo versos sobre o estranho do cortiço e a sua morte vendo a vida passar pela janela.
Ah! e pensa que os sambistas deixaram barato? Na mesma noite em que ele morreu, no samba do bar da esquina só se ouvia
-
Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo espere alguma coisa mais linda que o mundo
-
Era a única maneira que eles tinham de reverenciar o desconhecido. É que agora todo mundo entendia a mudez dele: ele carregava ânsia demais nos olhos para ter forças, ainda, de falar. E de viver. Quem sabe?
-
O samba continuou até o dia amanhecer.

8.11.08

[mariposa de] sueño.

ele não sabia muito bem como foi que acordou com aquela frase feita na cabeça.
porque, parecia coisa de filme, daqueles waking life da vida: de acordo com o roteiro, ele acorda com uma frase estampada no breu que aparece quando ele se dá conta que está acordando mas ainda mantém os olhos fechados. (sabe como é, né?)
pois bem. é isso mesmo.
aí, ele abre os olhos, repetindo a frase mentalmente, sem muita energia ainda para tentar um movimento de boca, pega o papel que está na mesinha do lado da cama e escreve as palavras, como quem ainda não sabe bem o que está acontecendo ou o peso que aquilo tudo pode ter. na verdade, ele só intui qualquer significado besta, a princípio, e, por isso, resolve registrar tal acontecimento. é que, a gente sempre ouve por aí que fulano sonhou com o número que foi sorteado na megasena, ou que sicrano sonhou com um boi e apostou no jogo do bicho e levou uma grana danada, entre outras lendas urbanas, né?
então, ele fez isso. anotou com um rabisco rápido, em linhas tortas, sem se importar muito com a forma que escrevia. afinal, eram seis horas da manhã de um sábado, e ele tinha sido acordado por uma frase. uma frase. uma frase?
é, até aqui parece realmente um roteiro de um filme/curta ficção. quer dizer, qualquer coisa menos realidade.
quem é que acordaria com uma frase? as pessoas, aquelas que têm o sono leve, acordam com barulhos, ventos fortes, esse tipo de coisa quase-bruta-mas-não-tão-bruta-pra-não-ser-meio-abstrata-mas-também-nem-tão-abstrata-pra-ser-realmente-abstrata. mas uma frase?!?!??!?!
nesse meio tempo, seu coração já tinha começado a bombear sangue suficiente, a adrenalina já corria normalmente, tudo trabalhava. e ele não tinha mais como se refugiar no sono que tinha sido interrompido; isso já tinha se esvaído.
aí ele se virou, como que numa tentativa de ignorar aquilo que estava escrito no papel. virou as costas, fechou os olhos, puxou o lençol para mais perto e pronto, se jogou. se jogou mesmo, como quem se atira desesperadamente pra frente quando vai atravessar uma avenida movimentada e calcula de forma bem desajeitada a distância/velocidade do carro que está vindo, e se joga, achando que tudo está certo e que vai ocorrer do jeito que se pensou. mas se jogou onde?
se jogou no abismo que se formava dentro dele: parecia que tudo tava juntoemisturado numa via de mão única, que levava diretamente ao lado esquerdo do peito. não adiantava disfaçar. era isso mesmo. isso mesmo.
finalmente, quando resolveu se levantar, sentindo umas pontadas do lado esquerdo do peito, pegou o papel, uma xícara de café, caminhou até a janela da frente e leu em voz alta o que tinha escrito, meio com dificuldade, já que a letra não ajudava muito:


- eu tou com saudade.


só restou um riso. e dois, e três.

4.11.08

talvez(es)

A única coisa que ele disse foi que não tinha certeza de nada. Aliás, que não tinha certeza.

Assim, direto. Na lata. De uma vez. Em uma única tomada de fôlego. Como quem cospe um caroço de azeitona depois de tê-lo roído todo. Como quem diz: - Pronto, falei.


E, para quem assistia a cena, já era sabido. Ela sabia.


Era mentira. Mentira das piores; daquelas que a gente já sabe que não é verdade antes mesmo de ser palavra proferida/mentira consumada: o suspiro que a antecede a entrega de primeira. Porque, não é aquele suspiro proveniente de uma metralhadora de síncopes que costuma vir, por exemplo, quando a gente tem algo muito importante pra falar e não se sabe bem se vai agüentar a situação. Aí temos que inspirar a maior quantidade de ar que conseguirmos para ir em frente. Não, não era isso não.


Era daquele que vem parecendo fermento novo em massa de bolo: faz tudo crescer numa rapidez sem tamanho, e quando a gente vê, já está passando da borda, tomando um rumo inesperado e fazendo estrago pra tudo que é lado.


E, nesse meio tempo, tudo era um silêncio muito grande.
Onde já se viu uma conversa de silêncios?


Pois bem. Não se via. A única coisa observada no meio daquele buraco no qual se afundavam era algo tomando forma nas pupilas dela. E, não eram apenas olhos molhados, não. Ia além.
Não se sabe ao certo quando começou e porque tomou forma justamente nos seus olhos. Há quem diga que, enquanto as suas pupilas se dilatavam num par de olhos marinhos que não costumavam ser os dela, a boca tremia enquanto tentava balbuciar algo. Uma resposta, talvez.
Mas como, se não havia nenhuma pergunta a ser respondida por ela? Talvez quisesse saber por que ele não tinha certeza se queria ficar. Talvez tivesse buscando uma explicação antes de resolver piscar os seus olhos e deixar as lágrimas, que lá se acumulavam, deslizarem. Se desprenderem. Tomarem rumo.


Ou talvez tivesse escolhido não dizer nada de muito inteligível mesmo, pensando que o silêncio fosse a melhor maneira de compreensão.


Talvez tivessem atingido o ponto em que o silêncio basta. Ou que fosse a única maneira dela poder pensar direito. Tinha vergonha dele, por ele ser assim; tão fraco. Tão pequeno. Tão não tão ele.


O fato é que, junto a única lágrima que conseguiu se desprender, vieram, também, as únicas palavras proferidas ali desde o “não tenho certeza” dele e todo o silêncio que tinha comido, sugado tudo como uma areia movediça entre os dois.


- Eu tenho... certeza. Certeza que não quero ficar.


Dito isso, tomou o último gole da xícara de café que estava na sua frente, engolindo aquele líquido frio, talvez docemente amargo, ou, ainda, fraco demais para ser uma mistura formada por pó de café + água + lágrima salgada dos seus olhos marinhos.


Quando partiu, levou as mãos nos bolsos e a cabeça um pouco caída. A coragem pesava-lhe nos ombros.


Não olhou pra trás. Sabia que, se olhasse, podia deixar um pedaço de qualquer coisa ali, naquela qualquer coisa que ela nem sabia mais o que era. Partia inteira. Completa?


Mais na frente, hesitou.


Continuou andando, para longe.


Ainda bem que não esqueceu da lágrima com gosto de café antes de partir.