25.6.13

ponto cego

E dos seus olhos vazava luz.
Samarone



Não conseguia segurar a lágrima que teimava em escorrer; prendeu a respiração, ficou sem piscar num espaço de tempo em que aquele fotograma passava feito os milhares de vagões de um trem de carga, naquela mesma velocidade de quem tenta enxergar pelas frestas deles o foco de luz que se mostra, timidamente, a cada espaço de... quantos segundos mesmo entre um vagão e outro?  não importa. no fim, não existia vagão, trem, resquício de nada disso. existia, apenas, uma luminosidade estranhamente familiar. como se o que enxergasse ali, naquela reta luminosa, fosse o reflexo perfeito sempre buscado no espelho , na poça d'água, no retrovisor, tela do celular, enfim;  agora, o sol adormecia aos poucos, baixando a sua guarda, enquanto vazava luz em todas as direções. quando deu por si, momentaneamente, viu o que quase nunca conseguiu enxergar: o reflexo luminoso sempre deixava um ponto cego.

 e, nesse ínterim, dos seus olhos vazava luz.

6.6.13

pontuando



entre pessoas, não deveria existir um ponto final. isso seria tempo demais, radical demais. interrogações para os momentos de achismo, desordem, caos; exclamação para as chegadas, retornos, surpresas, brilho nos olhos; ponto e vírgula para aqueles que estão imersos em dúvida, na pausa que move; reticências para os que  estão na ânsia de respirar, andar por aí sem destino, para aqueles que precisam de tempo e silêncio.
pontos finais são as impossibilidades que o silêncio traz;
e sobre certezas e escolhas, eu escolho a certeza de que ninguém deve ser ponto final. afinal, para sempre é muito tempo e pontos finais acabam sendo a possibilidade de uma dureza sem fim.



2.6.13

palavra



as palavras nunca erram. elas são feitas para aquilo ali, destinadas a serem aquilo a que se propõem desde o início da sua formação lexical. são criadas para serem ásperas, lisas, grandes, pequenas, cortantes, pulsantes, ingrimes, retas, diretas, curvilíneas, teorizantes, gratificantes, serenas, desvairadas, tristes, alegres, consoladoras, esmagadoras, maldosas, piedosas, renovadoras, incompletas, duvidosas, reveladoras,
são criadas para serem palavras.
 resumos, espelhos, cartões demonstrativos, marca de nascença, número de CPF, essência de uma vida inteira.
quando se fala em essência, nada mais é do que a palavra que resume esta ou aquela, ou ainda, aquela outra pessoa. cada pessoa é [feita por] uma palavra. 
 tem gente que é cuidado, tem gente que é atenção, outras que são admiração... cinza, nublado, fraqueza, sorriso, abraço, segurança.
tanto se diz de alguém com uma simples palavra:
tamanho, espessura, espaço, presença, magnitude, tempo, permanência.
palavra é a característica mais bonita numa pessoa.
a minha única dúvida acerca dessa prática é a de que se existe alguém que seja somente palavra? 
assim, na lata?
 no fundo, quem deve ser só palavra é, antes de qualquer coisa, silêncio.
silenciando, então, pretendo eu, encontrar a palavra [certa].











31.3.13

só ele.

então, pintei de azul os meus sapatos por não poder de azul pintar as ruas,depois, vesti meus gestos insensatos e colori as minhas mãos e as tuas,para extinguir em nós o azul ausente e aprisionar no azul as coisas gratas,enfim, nós derramamos simplesmente azul sobre os vestidos e as gravatas.e afogados em nós, nem nos lembramos que no excesso que havia em nosso espaço pudesse haver de azul também cansaço.e perdidos de azul nos contemplamos e vimos que entre nós nascia um sulvertiginosamente azul. Azul.

24.3.13

M.M.


Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo. É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações.