27.12.08

tchibum nas emoções

Era toda essa coisa de mergulhar num abismo profundo, de braços abertos, cabelos esvoaçantes, vento no rosto e olhos fechados - que é para não afugentar as expectativas - que fazia com que ela acordasse suada e num pulo só da cama. Tinha os cabelos colados na cara, a respiração acelerada, o coração descompassado e uma falta de ar que não chegava a ser sufocante, mas, que assustava, assustava.

Esse medo descabido e latente das emoções que a atormentava justamente como era quando ela tinha dez anos e tinha que subir numa árvore qualquer ou escalar um muro para acompanhar a brincadeira das outras crianças. Acompanhar, ela acompanhava; de olhos cerrados, dentes trancados, força motora a 100% e pensamento no anjo da guarda, única oração que conseguiu aprender mesmo. E agora, tudo voltava à cena: aquela sensação de desespero e angústia pela negação do presente e os quereres de um após tudo isso, que sabe-se lá se tem futuro denominar isso de futuro, entende? Entende.

Aí, ela levantava e ficava em frente à cama, como quem tenta refazer tudo dentro das suas possibilidades, no caminho das linhas da palma da sua mão, na cadência normal dos seus passos. Suavemente, ela recria a oportunidade perdida minutos antes: dá um tchibum na sua cama, dá um tchibum nas suas emoções. Afinal, a madrugada ainda estava ali, bonita, reinante, só esperando a hora certa para que ela voltasse a acordar do mesmo sonho, e, mais uma vez, fizesse a sua escolha.

Ela? Dessa vez, escolheu entrar no acaso e amar o transitório. Sim, Carlos Pena Filho, entrar no acaso e amar o transitório.

22.12.08

baby, i love you




Tenho uma teoria acerca da importância da música nas nossas relações do cotidiano: para mim, uma relação só existe se ela tiver a sua música própria, aquela que serve de trilha sonora, que toca involuntariamente na sua mente quando a rádio sintoniza tal pessoa ou tal estação que te faz lembrar esse certo alguém.

Pronto, é disso mesmo que eu quero falar hoje, porque eu, ultimamente, ando gritando, escrevendo, assim, no ar, como uma doida, para quem passa na minha frente e é atingido, ferido, zapeado, lombrado ou chamado por tudo isso. Chego a parecer uma doidamaluca quando paro e jorro alguns versos de canções, meio desajeitadamente e, até, timidamente, ora em forma de cantoria, ora como uma leve e doce poesia: e quem recebe, pelo menos até hoje, tem reparado na [real] importância disso.
Não é que cada um tenha que ter um numerozinho presente naquela escala que a gente fica rodando o botãozinho atrás de uma boa freqüência não; o que eu quero deixar claro é que, justamente, são poucas as pessoas que têm essa estação marcada, decorada, entre os números principais da rádio da nossa mente.
Tenho uma música para cada um dos meus amores cultivados, sejam eles amores constantes, amores clandestinos, desamores ou eternos. E é de se impressionar como a freqüência é sempre fantástica!
O samba é, geralmente, dos desamores: amargura, cerveja, saudade e boas lembranças fazem com que ele toque na vitrola da gente e remeta a algum dos amores citados. As canções mais antigas, que a gente guarda nas estações chamadas clássicas, são as que nos lembram aqueles momentos que outrora estavam aqui, quase que na janela da gente, como aquela fazenda antiga e os violões, mas que hoje fazem parte de um passado cheio de Belchior, Benito de Paula, Clube da Esquina, O Grande Encontro e outras poesias que, inacreditavelmente, eu sei cantar desafinadamente e muito mal, mas não erro uma sílaba!
Os Novos Baianos, Gil, Gal e seus Doces Bárbaros, a sangria da Ave, a transcendência do Harrison, o amor transbordante do Chico, do Caetano, de tantos outros que fazem com que a gente grite, a gente pule, a gente se abrace, cante na janela do carro, com o vento batendo na cara, dance e dance e dance e nunca se canse é outro ponto importantíssimo: esses daí fazem parte dos amores constantes. Tocam todo dia, como quem já sabe que toca na mesma freqüência pulsante do coração.
As trilhas de filmes? Bem, essas, com certeza, viram as trilhas dos clandestinos: platônicos, efêmeros, suspirantes, seja lá a denominação que a gente quiser atribuir à isso, é fato que, de amores clandestinos, o filme da nossa vida anda cheio, não é? Só que, aí parece mais aquele enígma do "copo metade cheio ou metade vazio?", porque, se a gente parar para analisar, quantos rolos de filmes são precisos pra caber toda a sua vida? Vários, eu te garanto. E, por isso, meu amigo, te falo aqui, agora, sem nenhuma cerimônia: amores clandestinos são precisos, preciosos e (im)previsíveis nessa vida da gente.
Pra terminar, e os amores eternos? Esses são como as músicas das letras bonitas, que fazem a gente chorar cada vez que repetimos ela: ela consegue criar uma lágrima diferente para cada sintonizada na estação. São as músicas do João Bosco, com certeza. São as músicas que a gente sabe cantar todinha, sem pestanejar, e que, quando canta, sintoniza o pensamento em alguém. É como ouvir o bêbado e o equilibrista e não sentir um arrepio; não gritar o baby, i love you e cantar você precisa saber da piscinada margarinada Carolinada gasolinade
mim
colocando a cabecinha meio de lado, tentando sentir a música.
Minha gente, essa trilha desses amores eternos é, simplesmente, a trilha dessas nossas relações. Simples assim.

12.12.08

da série gente como a gente, número 1.


Quando a gente vê esses olhinhos pequenininhos, parecendo dois risquinhos que se apertam muito, mas muito mesmo, como que tentando segurar um absurdo de ternura e leveza que eles exalam, é quase impossível não se ver num sorriso quase nascente na gente; é que eles parecem refletir o que encontram pela frente, assim, meio sem cerimônia nenhuma.

Por que, na verdade, todo mundo sabe que o sorriso é a principal saída das nossas necessidades - é a síntese de todo um processo interior, resultante de duas etapas anteriores: a tese e a antítese. A tese a gente pode imaginar como a parte racional que pulsa dentro de nós (ou todo aquele encadeamento de pensamentos considerados lógicos, sensatos e previsíveis)...uma tentativa de fazer as palavras cruzadas do lado de dentro da gente.

A antítese? É, simplesmente, na melhor das hipóteses, o inesperado, asfixiante; é o magma, a semente, o engodo, o que lateja descompassadamente em todas as partes - inclusive em meio à tese.
Ora, pois, o sorriso não poderia deixar de ser a parte pulsante que resulta dessa mistura toda: é um depois.E não um depois que se resume a futuro; é um depois de resultado, de recompensa. É sorriso e pronto, chega.

E, assim como os seus olhinhos que exprimem melhor que os de ninguém aquela máxima de que "os olhos são a janela da alma", o sorriso dele traz um não-sei-o-que-bom-demais. Sabe ser terapêutico. Abraços que abarcam o mundo, o instante ali, quase fotografado pelos olhos brilhantes e cheios de "quero muito mais, sempre, da vida"; é disso que eu falo, que eu grito, que eu exalto, que eu admiro, que eu chego a me calar para pensar na quantidade de coisas que eu preciso dizer, apontar, mostrar mas que ainda não sei falar sobre. Mas, de certo, saberei. Quando a gente percebe gente assim, como a gente, não costuma deixar ir passear, ir embora, ir muito longe não. A gente sente falta e quer ali, num potinho, se puder... pra sacudir, apertar, amolengar, ou, só para sorrir mesmo.

Kundera, Piaf, Devendra and ribbons around the fumes...era só disso que eu tava querendo falar esse tempo todo, era só de sorrisos maiores;
só de gente como ele; era só de gente como a gente.
(texto prometido para ele, tinha que ser o primeiro.)

6.12.08

sim, inverno, estamos vivos.

Bom mesmo é o
dente-de-leão: a gente sopra por aí e pronto,
ele sai se espalhando, numa
cadência sem igual. Só quem tem trabalho nisso tudo
é o vento: ele é o
encarregado de levar cada partícula de semente que sai se
jogando no meio do
nada, como se já tivesse esperando ser embalada por essa
dança do
me-leva-que-eu-vou-junto. Só que, não pense que, apesar dessa total
liberdade de escolha do vento, as sementes acabam se deixando levar
completamente, como se não tivessem forma, tamanho e necessidade. Não é bem
assim.
É que muitas delas acabam se metamorfoseando e, por
conseguinte, se adaptando a cada
novo lugar ao qual são levadas. As que não
conseguem, simplesmente vão
caindo, caindo, caindo, até baterem no chão e
causarem um estalo que,
audível mesmo, só para quem a viu despencar.
Quer fazer o
teste? Sopra um dente-de-leão em frente a um
espelho, e espera para ver as
sementes que conseguem se acoplar nos poros do teu
rosto. E, aí, quando
perceber o último estalo no chão, você vai saber que,
apesar destes
pesares,
nós continuamos sempre sendo mapas mundi habitáveis;
são só
os poros,
sementes, formas, tamanhos e necessidades que acabam
mudando;

O outono é quase aí,
e,
sim,
inverno,
estamos vivos.