26.10.08

semente de vulcão

- era uma voz, um vento, um sussurro, relâmpago, trovão e murro

Não, não e não. Mil vezes não. Ele repetia copiosamente o mesmo monossílabo, que parecia ganhar intensidade e firmeza a cada repetição. Só parecia. Na verdade, o que Antoine queria era ser entendido. Mas como, se nem ele mesmo parecia se entender? Todos sabiam, inclusive ele, que ele era a própria definição de imprecisão. Não conseguia ser preciso: até nos seus rompantes de eqüidade, muitas vezes não sabia como proceder. Como, se o que ele mais fez durante esse tempo que costuma contar foi exercer essa tarefa? Não se sabe. Ou se sabe? É que, enquanto ele zelava pelo ‘justiça seja feita’, impondo-se a quase condição de balança libriana da qual não pertencia, era visível um carneiro colérico e inquieto quase pular dos seus olhos, esperando por uma liberdade que, devido a sua racionalidade, era quase um horizonte distante. E agora, como se já não bastasse todo o eco causado pelas suas palavras jogadas contra as paredes do corredor que levava a escadaria, ele agora escondia os olhos, como se soubesse que eles não cooperariam nem um pouco com a situação. Tudo errou.


- uma palavra quase sem sentido, um tapa no pé do ouvido

Ela assistia a cena pelo olho mágico do apartamento. Ela agora se banhava com as suas lágrimas, que pareciam pesadas demais para permanecer nos seus olhos, como fizeram quando ela resolveu dizer com todas as letras que ele era uma semente de vulcão. Semente de vulcão? De onde diabos ela tinha tirado isso? Não importa. O fato é que, como, senão por meio dessa figura de linguagem, ela poderia explicar tudo o que tinha acontecido para ele? Porque era tudo tão simples no começo. E que ela passou muito tempo buscando uma lógica para mantê-lo consigo. Sabia que isso não seria a solução das suas dúvidas, e sim, um alimento constante e voraz. Não importa isso também. Foco.Foco. Como conseguiu explicar para ele o que era uma semente de vulcão? Será que ele entendeu?


- um movimento, um traquejo forte

Tinha dito tudo o que pensava. Na verdade, tinha sido sincero. O que ele podia fazer? Se culpar? Não, não faria isso. Tinha sido verdadeiro com ela desde..desde sempre. Mas, porque agora sentia esse sentimento de preocupação que ultrapassava o querer bem? Será que ele trazia um pouco de culpa junto? Porque, se eu não fiz nada? Levei até onde deu. O barco tinha que acabar de queimar a gasolina em algum porto. Disso todo mundo sabe. Ela sabia que esse não iria muito longe. Mas, porque ela tinha que me falar tudo isso? Deixar tudo mais complicado? Será que não entende que as coisas podem ser fáceis como eram no começo? Eu sei que ela também acha isso..ela me disse que tudo era fácil no começo. Pior é que não consigo ter raiva dela. Por ela ser assim, digamos que, sem preparo pra esse tipo de situação. Sempre achei que a gente se entendeu de forma errada. Que esquisito isso. Sempre achei mas nunca disse. Deve ter sido que faltou. E porque ela me fala coisas que sabe que me deixam assim, meio com esse sentimento aí que eu não sei o que é ao certo? Por que ela veio dizer que eu era uma semente de vulcão? Ela arranja cada coisa...só ela. Só ela.


- era uma linha sem começo nem fim

Maria sabia bem o valor das suas palavras. Sabia ser forte na escolha delas. Uma das únicas coisas que aprendeu foi o manejo das benditas, e disso se orgulhava. Uma semente de vulcão. Tinha gostado disso desde a primeira vez que ouviu o nome nas ladeiras da cidade. É que ela costumava atribuir certas coisas a pessoas, objetos e lugares. As vezes achava que se ocupava demais nessa atividade, outras não. Gostava quando as pessoas perguntavam a ela o significado de tal coisa. E mais ainda quando se sentiam únicas devido a atribuição feita. Só que, quando disse para ele que ele era uma semente de vulcão, não obteve uma resposta. Na verdade, pode até ter obtido, mas não soube interpretá-la. Ou não quis. Vai saber de Maria.. o fato é que, ela acreditava que todo mundo carregava um vulcão dentro de si, daqueles sem datas previstas para erupções. Sim, sim, porque, vai saber quando a gente pode se apaixonar? Ou acordar cheio daquela tristeza que não se sabe de onde veio e como, se só o que você fez foi dormir? Pois bem. Somos todos vulcões prestes a explodir devido a quantidade de sentimentos que carregamos. Ponto um. Tinha explicado para ele, na verdade, desenhando tudo no ar, como se tentasse fazer com que ele percebesse como tudo era tão simples. Ele torcia no nariz, meio que querendo demonstrar que queria logo a parte objetiva da história. Pois bem. E porque semente de vulcão? É que, em meio a todas as erupções que ele tinha causado durante o tempo juntos, era quase impossível ter restado algo de bom. E, incrivelmente, o que tinha restado era uma semente. Sim, uma semente no meio da poeira.


- passado, risco e recorte se descortinaram

Sempre achei a Maria meio viajada. Mas gostava, ria até das suas idéias meio sem pé nem cabeça. Porque era engraçado em como ela acreditava nas coisas e como parecia feliz em compartilhar comigo isso. Era importante pra ela. Mas, confesso que as vezes não gostava dessa mania dela de falar tudo por meio de metáforas. E o pior: vir reclamar comigo depois, falar que não sabe nada de mim, que eu só confundo ela, não dou segurança, eticétera e tal. Se formos por uma análise mais fria e direta, dá no mesmo, não? Nem sempre as figuras de linguagem podem ser compreendidas por outra mente que não foi a que a criou. Mulher é assim mesmo, meio doida. Nem adianta tentar entender. Mas eu juro que ela passou dos limites quando disse que uma semente tinha restado no meio da poeira. Isso, pra qualquer homem, assustaria e significaria..bem, você , homem, sabe. Mas, eu sabia que não era isso. Nós sabíamos. Mas, por outro lado, nem quebrei minha cabeça pra saber o que era. É melhor cortar o mal pela raiz. A gente já viveu o que tinha que viver. Tchau, adeus, goodbye. Tava irritado com tudo isso já. Mas, porque diabos eu não conseguia deixar ela ir embora? Que porra acontecia comigo? Eu sei que é melhor assim, ela também sabe. E, em nenhum momento eu a pedi pra ficar. Não seria justo. Não seria. Não seria..Não. Não. Não.

- era uma estrada, muitas curvas tortas, quantas passagens e portas ali se ocultaram

Ela sabia que não tinha jeito. Que, devia ir embora e que, lá no fundo, queria ir. Mas, tinha medo de ser sozinha. Não é que ele fizesse companhia à ela, porque, na verdade, ele nunca esteve ao seu lado..completamente. E, pra ela, o que importava era o complemento, não a parte do todo. Era o todo e a parte. E, claro, ela sabia que era uma decisão difícil essa a se tomar, porque, o que mais a atormentava era a falta. A saudade. Essa palavra a assustava demais. Mas, remediado já estava. Since the beginning. Só não sabia como fazer isso. Alguém tinha lhe dito que sempre era difícil, só que as coisas se tornavam quase impossíveis quando era algo que a gente gostava e não queria que fosse embora. E aí, quando eles sentaram pra ter a conversa,ela precisou expulsar o dragão que estava do lado de dentro. Foi como uma bola de fogo, saiu incendiando tudo. Um misto de emoções, dores e dissabores. Mas, era preciso, não era? E, até a hora em que ele andou para a porta, sem olhar para trás, ultrapassou a linha divisória entre o dentro e o fora, e bateu a mesma, ela sabia que a tal da semente ia ficar lá. Ela tinha conquistado o seu espaço.




Aí Maria acordou, ainda sem vontade de abrir os olhos, como numa tentativa de prolongar o sonho que acabara de ter. Na verdade, queria ver até onde a sua cabeça poderia desdobrar essa história. Não se sabe bem se ela ficou triste por ter acordado aí, ou feliz, por ter visto que acordou justamente onde deveria ter acordado. O fato é que, a primeira coisa que fez, antes mesmo de abrir os olhos, foi abrir a boca e falar:

- a semente de vulcão é o amor, seu idiota. Ah, se é...

E aí, abriu os olhos e emendou o cher antoine, je suis vraiment desolé mais je ne peux pas partir avec toi.

25.10.08

Crônica de um Menino Só

E ele era tão sozinho, mas tão sozinho, que cada um dos seus vinte dedos eram pessoas diferentes, alternando sexo, nome, sobrenome, idade, profissão e endereço (obviamente) a cada dia.
O ruim era só ter que enxaguar as mãos tortuosamente todo final do dia, deixar a água cair na pontinha dos dedos para apagar o cabelo mal desenhado, os olhinhos pequenininhos e a boca meio sorridente dos vinte. Doía ter que destruir tudo isso. Esquecer as horas de conversa, as horas de preparo dos dedinhos, tudo, tudinho.

Esse esfrega, esfrega deixava tudo vermelho: suas mãos - da onde saia toda a força - seus dedinhos - que recebiam toda a força - e o seu rosto, também. É que ele morria de vergonha de ter que fazer isso com as únicas companhias dele. Parecia uma espécie de traição, isso dele. Esse não querer se apegar a ninguém.

Ah, como ele odiava essa sua característica; algumas vezes, deitado no travesseiro, depois de todo o procedimento do 'lave mãos', ficava se perguntando se isso era uma qualidade sua ou um defeito. Ficava olhando os dedos das mãos, e, assim, tendo eles completamente nus, os observava meticulosamente. Parecia que cada giro das suas mãos era um movimento calculado. Procurava afeição por aqueles dedos que, a única identidade que poderiam ter era a de seus dedos, dedos do menino só. Entretanto, ele bem sabia que nunca quisera - e não iria ser agora - se apegar a nada, inclusive a ele mesmo. E, pelo rosto vermelho de vergonha em cada noite que ele colocava fim no seu simulacro, se sabe que ele realmente considerava isso um defeito seu. Só não se sabe porque ele tinha escolhido viver nesse faz de conta...

O fato é que, por escolher o simulacro como estilo de vida, ele teve lá as suas recompensas: na sua mente - tão obtusa e pequena - não convivia nunca com a mesmice.

É bem verdade que, estando num estado crítico de simulacro da realidade, ele podia criar o que quisesse, na hora que achasse conveniente. Mas, sinceramente, ele foi apenas enganado pela mesmice da vida: escolheu viver a mesma coisa todos os dias, mudando apenas algumas etiquetas das coisas que ele mesmo fabrica. E quem é que, hoje em dia, está interessado em viver apenas com o que se fabrica?

Triste de quem passa a cantar o todo dia ela faz tudo sempre igual todo santo dia.

Afinal, se a gente vê todo dia como santo, porque deixar o todo santo dia existir?


24.10.08

até onde a vista alcança?


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vou com sonâmbulos e corsários, poetas, astrólogos e a torrente dos mendigos perdulários.
Cecília Meireles

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18.10.08

carta a um amigo

querido,

você não sabe e nem pode ter idéia do quanto eu sinto muito por tudo isso. na verdade, sentir é uma das minhas especialidades, disso tu sabes. e, por temer a tua incompreensão, resolvi te pedir desculpas com a única coisa que, mesmo vez ou outra fugindo de mim, eu sempre carrego comigo: um monte de palavras.

as vezes 'desculpa' soa tão esquisito, né? parece um martelo caindo em cima de um prego. rápido, objetivo, seco, certeiro. e eu não queria que o meu sentir fosse resumido a todas essas atribuições aí que a 'desculpa' carrega consigo. Porque ele vai bem mais além. vem de lá de dentro mesmo.

eu bem sei que a gente nem sempre [pode] faz[er] o que quer, nem sempre [pode] ajeita[r] as coisas da maneira que queremos tanto. e é fato que isso é coisa antiga, todo mundo sabe disso - ou pelo menos deveria saber.

não quero ser tua algoz e te falar mais uma vez que desde sempre tudo esteve claro, claríssimo até.
mas é que, eu não sei bem onde foi que tu perdesse o foco, em que momento, a que segundo.
eu também fico me perguntando como lidar com uma situação dessas quando, na verdade, o que eu queria era estar ali te falando pra levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima - como tantas outras vezes fizesse comigo e se mostrasse um verdadeiro amigo.

e aí, padeço em meio a esse martírio. ser ou não ser. quer dizer, ser ou não ser não! porque, nunca deixei de ser sua amiga. é o ser 'estar presente' sem embaralhar mais ainda as coisas.
não quero que me entendas mal, mas, também, não tenho coragem de te olhar e te falar que tu estás confundindo tudo. nesse ponto eu sei que nunca fui mulher com m maiúsculo.
mas, me ajuda, vai. aceita essas desculpas gigantescas e confusas e vê se recupera o foco na amizade que a gente construiu por cima de tanta distância.

e eu fico triste em saber que eu te fiz ficar mudo, calado mesmo, e não soube ler os teus silêncios - estes que imagino o quão desconcertantes eram.
mais triste ainda fico em ter que te dizer que, infelizmente, só posso te oferecer o que tu sempre teve : a minha inteira amizade.

espero que esse pedido de desculpas esquisito tenha aliviado um pouquinho o teu coração, porque, só assim, eu vou me sentir aliviada também.

p.s.
o pedido de desculpas tinha que ser esquisito também, né? assim como eu..



15.10.08

divagações na janela de um ônibus



se as cores só existissem com luz, como seria quando fechássemos os olhos?

ia ficar tudo imerso em preto pra sempre, até despertarmos?

os nossos sonhos seriam privados de cores?

simples. a gente teria que parar de se concentrar no sonho pra se concentrar nas cores que iríamos tentar pintar dentro deles, o pincel que iríamos usar, todas essas pequenas coisinhas, e, acabaríamos perdendo toda a magia de tentar aproveitar o sonho ao máximo.

não que eu diga que não teria graça se nós mesmos formulássemos cada pedacinho dos nossos sonhos, não, até acharia bem interessante.mas é que, sonho é feito pra gente ter e depois acordar no susto/expectativa de tentar lembrar.

se a gente controlasse as cores que vêm nos sonhos, daí não seriam apenas sonhos..seriam sonhos induzidos, e esses, ah, esses não me interessam, de verdade.

veja bem... eu continuo achando que sonho é sonho, mesmo sendo colorido, preto e branco, preto, ou branco.

eu só acho que deve ser muito ruim sonhar em preto e branco, mesmo quando parece ser um filme antigo...a gente sente que falta algo;

vai ver é a cor que anda dentro da gente...né?

8.10.08

agenda-setting e a vida nossa de cada dia..


O verbo informar, derivado do latim, originalmente significava, em inglês e francês, não só relatar fatos, mas, também, formar a mente. Desde o século 15, com a revolução da prensa gráfica criada por Gutenberg, a importância da informação já era claramente apreciada em alguns círculos sociais. Mas, foi nos séculos seguintes, com a formação de uma sociedade comercial, resultante das revoluções francesa e industrial, que ela ganhou destaque.

Com o aumento do número de impressos que a prensa proporcionou, uma imprensa periódica pôde se formar. Essas publicações, muitas vezes, eram lidas em voz alta e discutidas nos cafés - estes que, se tornaram um foro político, onde homens, mulheres e até os que não sabiam ler tinham voz na discussão do relato oral das obras - embora nem todos fossem ouvidos com igual interesse.

Durante a revolução francesa, a mídia desempenhou um papel importante, atuando como uma formadora de opinião entre as diferentes esferas da sociedade. Obras como a Enciclopédia despertavam a consciência política e transmitiam conhecimento não só para os ricos que podiam comprá-las, mas, também, à população em geral, já que edições mais baratas foram lançadas devido à facilidade de publicação que a prensa trouxe.

No entanto, é fato que a tecnologia não pode ser separada da economia e que o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação. A revolução industrial trouxe a idéia do avanço, do novo, em todos os setores. Na mídia não seria diferente. O telégrafo, o rádio, a televisão, a fotografia e o cinema surgiam como a vitória sobre o tempo e o espaço, como facilitadores da ‘nova vida moderna do homem na era moderna do mundo’. Aliás, desde os primórdios da humanidade, o homem busca facilitar a sua vida: inventou a roda, dominou o fogo, descobriu a eletricidade... Afinal, essa seria mais uma fase da história das descobertas humanas, ou o homem estaria condenado a estagnar nisso? Regressão ou evolução?

Assim como a soma, no Admirável Mundo Novo do Huxley, e os comprimidos anestesiantes, do Fahrenheit 451, a sociedade de hoje vive das informações triviais que a mídia escolhe – ou melhor, segundo ela, ‘seleciona’- mostrar. A manipulação de notícias é fato mais que provado no dia-a-dia da imprensa. E o que a população faz a respeito disso? Senta no sofá e desfruta de toda a programação disponibilizada pelas redes de comunicação – seja ela na TV, no jornal ou no rádio. Aliás, um dos pontos fortes de crítica que o Fahrenheit faz a sociedade é o fascínio que a televisão exerce sobre as pessoas. Muitas delas crêem que assistir a quatro horas de TV as torna aptas a uma reflexão acerca do mundo.

O que se deve deixar claro é que não devemos ser contrários à inovação, afinal, quem vive de passado é museu. Entretanto, do que adianta se sentir poderoso por ter um controle remoto em mãos e poder passear por diversos canais de informação por segundo na TV, se a maior parte do que é veiculado pela mídia não nos dá chance de reflexão?

Voltando à questão lançada anteriormente sobre regressão ou evolução, chega-se a um ponto final: com tão pouco estímulo para se pensar hoje em dia, do que adiante eletricidade, rodas e fogo brando se o homem continua querendo usar apenas 1/3 do seu cérebro? A preguiça pode até ter servido como estimulante para o surgimento de invenções que transformariam a vida em sociedade, mas será que o preço a ser pago por elas é a ignorância pela acomodação?