25.10.08

Crônica de um Menino Só

E ele era tão sozinho, mas tão sozinho, que cada um dos seus vinte dedos eram pessoas diferentes, alternando sexo, nome, sobrenome, idade, profissão e endereço (obviamente) a cada dia.
O ruim era só ter que enxaguar as mãos tortuosamente todo final do dia, deixar a água cair na pontinha dos dedos para apagar o cabelo mal desenhado, os olhinhos pequenininhos e a boca meio sorridente dos vinte. Doía ter que destruir tudo isso. Esquecer as horas de conversa, as horas de preparo dos dedinhos, tudo, tudinho.

Esse esfrega, esfrega deixava tudo vermelho: suas mãos - da onde saia toda a força - seus dedinhos - que recebiam toda a força - e o seu rosto, também. É que ele morria de vergonha de ter que fazer isso com as únicas companhias dele. Parecia uma espécie de traição, isso dele. Esse não querer se apegar a ninguém.

Ah, como ele odiava essa sua característica; algumas vezes, deitado no travesseiro, depois de todo o procedimento do 'lave mãos', ficava se perguntando se isso era uma qualidade sua ou um defeito. Ficava olhando os dedos das mãos, e, assim, tendo eles completamente nus, os observava meticulosamente. Parecia que cada giro das suas mãos era um movimento calculado. Procurava afeição por aqueles dedos que, a única identidade que poderiam ter era a de seus dedos, dedos do menino só. Entretanto, ele bem sabia que nunca quisera - e não iria ser agora - se apegar a nada, inclusive a ele mesmo. E, pelo rosto vermelho de vergonha em cada noite que ele colocava fim no seu simulacro, se sabe que ele realmente considerava isso um defeito seu. Só não se sabe porque ele tinha escolhido viver nesse faz de conta...

O fato é que, por escolher o simulacro como estilo de vida, ele teve lá as suas recompensas: na sua mente - tão obtusa e pequena - não convivia nunca com a mesmice.

É bem verdade que, estando num estado crítico de simulacro da realidade, ele podia criar o que quisesse, na hora que achasse conveniente. Mas, sinceramente, ele foi apenas enganado pela mesmice da vida: escolheu viver a mesma coisa todos os dias, mudando apenas algumas etiquetas das coisas que ele mesmo fabrica. E quem é que, hoje em dia, está interessado em viver apenas com o que se fabrica?

Triste de quem passa a cantar o todo dia ela faz tudo sempre igual todo santo dia.

Afinal, se a gente vê todo dia como santo, porque deixar o todo santo dia existir?


Um comentário:

Luísa Ferreira disse...

forte? neem. acho que aquilo tava mais pra ironia.

podes elchicanear ou outracoisear essa semana? :))

não dá pra ler teu post agora pq tou só de passagem, mas depois volto aqui :D

:*