4.11.08

talvez(es)

A única coisa que ele disse foi que não tinha certeza de nada. Aliás, que não tinha certeza.

Assim, direto. Na lata. De uma vez. Em uma única tomada de fôlego. Como quem cospe um caroço de azeitona depois de tê-lo roído todo. Como quem diz: - Pronto, falei.


E, para quem assistia a cena, já era sabido. Ela sabia.


Era mentira. Mentira das piores; daquelas que a gente já sabe que não é verdade antes mesmo de ser palavra proferida/mentira consumada: o suspiro que a antecede a entrega de primeira. Porque, não é aquele suspiro proveniente de uma metralhadora de síncopes que costuma vir, por exemplo, quando a gente tem algo muito importante pra falar e não se sabe bem se vai agüentar a situação. Aí temos que inspirar a maior quantidade de ar que conseguirmos para ir em frente. Não, não era isso não.


Era daquele que vem parecendo fermento novo em massa de bolo: faz tudo crescer numa rapidez sem tamanho, e quando a gente vê, já está passando da borda, tomando um rumo inesperado e fazendo estrago pra tudo que é lado.


E, nesse meio tempo, tudo era um silêncio muito grande.
Onde já se viu uma conversa de silêncios?


Pois bem. Não se via. A única coisa observada no meio daquele buraco no qual se afundavam era algo tomando forma nas pupilas dela. E, não eram apenas olhos molhados, não. Ia além.
Não se sabe ao certo quando começou e porque tomou forma justamente nos seus olhos. Há quem diga que, enquanto as suas pupilas se dilatavam num par de olhos marinhos que não costumavam ser os dela, a boca tremia enquanto tentava balbuciar algo. Uma resposta, talvez.
Mas como, se não havia nenhuma pergunta a ser respondida por ela? Talvez quisesse saber por que ele não tinha certeza se queria ficar. Talvez tivesse buscando uma explicação antes de resolver piscar os seus olhos e deixar as lágrimas, que lá se acumulavam, deslizarem. Se desprenderem. Tomarem rumo.


Ou talvez tivesse escolhido não dizer nada de muito inteligível mesmo, pensando que o silêncio fosse a melhor maneira de compreensão.


Talvez tivessem atingido o ponto em que o silêncio basta. Ou que fosse a única maneira dela poder pensar direito. Tinha vergonha dele, por ele ser assim; tão fraco. Tão pequeno. Tão não tão ele.


O fato é que, junto a única lágrima que conseguiu se desprender, vieram, também, as únicas palavras proferidas ali desde o “não tenho certeza” dele e todo o silêncio que tinha comido, sugado tudo como uma areia movediça entre os dois.


- Eu tenho... certeza. Certeza que não quero ficar.


Dito isso, tomou o último gole da xícara de café que estava na sua frente, engolindo aquele líquido frio, talvez docemente amargo, ou, ainda, fraco demais para ser uma mistura formada por pó de café + água + lágrima salgada dos seus olhos marinhos.


Quando partiu, levou as mãos nos bolsos e a cabeça um pouco caída. A coragem pesava-lhe nos ombros.


Não olhou pra trás. Sabia que, se olhasse, podia deixar um pedaço de qualquer coisa ali, naquela qualquer coisa que ela nem sabia mais o que era. Partia inteira. Completa?


Mais na frente, hesitou.


Continuou andando, para longe.


Ainda bem que não esqueceu da lágrima com gosto de café antes de partir.

3 comentários:

Hindenburg, F. disse...

tu descreve muito foderosamente a cena, porra. tu é minha diretora! :D *: LINDA

Sunflower disse...

Dar certeza é tão pior que ter certeza.

Uma vez que exteriorizada tudo muda. Ela guardada, é certeza absoluta sua pra sempre mesmo que tenha durado só três segundos.

beijas

Anônimo disse...

ai colega.
tuas coisas são sempre tão cheias de nitidez. eu consigo ver a cena toda. com gosto de lágrima ainda mais.

tô sumida por aqui, mas logo logo volto a ativa, viu?
beijao!